Falta de verba ameaça documentário sobre a Democracia Corintiana

Bruno Ceccon

 

http://www.gazetaesportiva.net/noticia/2011/07/corinthians/falta-de-verba-ameaca-documentario-sobre-a-democracia-corintiana.html


Antes da República Popular do Corinthians, invencionice da multinacional que fornece material esportivo ao clube, Sócrates, Wladimir e Casagrande desafiaram o regime militar no começo dos anos 1980. Na mesma época, marcada pelas "Diretas Já", surgiram grupos como Titãs, Barão Vermelho e Ultraje a Rigor, autor do sarcástico hit "Inútil". O documentário "Democracia em Preto e Branco" se propõe a revisitar o período sob um espectro amplo - incluindo a campanha pelo voto direto, o nascimento do Rock Brasil e a Democracia Corintiana -, mas está ameaçado pela falta de verba.
O longa-metragem é uma parceria entre o diretor Pedro Asbeg e o produtor executivo Gustavo Gama Rodrigues. No segundo semestre do ano passado, foram entrevistados os protagonistas do movimento organizado no Parque São Jorge, como Sócrates, Casagrande, Wladimir, o ex-diretor de futebol Adílson Monteiro Alves e o antigo técnico Mário Travaglini, além de alguns jornalistas, a exemplo de Flávio Prado, apresentador do programa Mesa Redonda, da TV Gazeta. Durante o processo, Asbeg sentiu a necessidade de ampliar o foco do documentário e ultrapassar o aspecto meramente esportivo.
"Percebi que se esse tema fosse trabalhado de uma forma descontextualizada, perderia sua força maior. No momento em que a Democracia Corintiana estava no auge, quando os jogadores votavam para decidir as coisas mais triviais, a maior parte da população estava buscando o direito de votar para presidente. Entendi que o filme tinha que tratar não só de futebol e democracia, mas também mostrar o contexto do país no momento. A maior parte das pessoas tende a analisar a Democracia Corintiana como um movimento futebolístico por si só", explicou Asbeg, responsável pela montagem do documentário "Cidadão Boilesen", premiado na edição de 2009 do Festival É Tudo Verdade.
Na primeira parte, o diretor calcula ter investido aproximadamente R$ 10 mil em recursos próprios. A decisão de ampliar o espectro do documentário implicou em um aumento significativo do custo, principalmente em função das imagens de arquivo e dos diretos autorais das canções que serão utilizadas - o orçamento total é estimado em R$ 350 mil. Além de procurar enquadrar a obra em leis de incentivo, os produtores decidiram fazer jus ao tema em questão e recorreram a um mecanismo alternativo de captação de recursos.
O filme procura arrecadar fundos por meio de um site de financiamento coletivo de projetos, através do qual qualquer pessoa ou empresa pode contribuir. Conforme o valor doado, o incentivador recebe uma contrapartida diferente - é possível ter o nome nos créditos do documentário e até ganhar uma vaga de estágio na produção. A meta estabelecida foi reunir R$ 20 mil em 90 dias. Até a noite desta quarta-feira, foram alcançados R$ 15.585,00. Como o valor de cada doação será debitado da conta dos incentivadores apenas caso a cifra total seja atingida, são necessários mais R$ 4.415,00 em 13 dias.
"Com toda sinceridade, infelizmente não acredito que vamos conseguir captar os R$ 20 mil. Se não alcançarmos o valor total, ficamos sem nada. Por outro lado, levando em conta que eu, o Gustavo e a maioria dos nossos amigos somos cariocas, ainda tenho alguma esperança, porque os cariocas costumam deixar tudo para a última hora. Torço bastante para que essa matéria nos ajude, mas já não conto muito com a colaboração de anônimos. Levando em conta a relação tempo e dinheiro, acho difícil chegar ao final com os R$ 20 mil, mas continuo acreditando", disse Asbeg, flamenguista de coração e fã do Doutor Sócrates.
A aposta no mecanismo colaborativo vem acompanhada de uma tentativa de conduzir o processo de maneira transparente. Na página eletrônica que recebe as doações, é possível acompanhar o valor já arrecadado com precisão de centavos e as contrapartidas oferecidas de acordo com a cifra investida. Já o blog oficial do filme contém uma lista com os nomes de todos os incentivadores. Caso os R$ 20 mil não sejam alcançados, os produtores serão obrigados a mudar o cronograma e depender dos meios ortodoxos para viabilizar o documentário.
"Uma grande escola do cinema brasileiro é a criatividade. As pessoas ficam muito reféns dos editais e leis de incentivo, mas já está mais do que na hora de perceber que os meios de produção estão mais facilmente disponíveis. Por que não ir adiante nesse pensamento de tentar fazer o filme sem tanta dependência? Falo isso sabendo que meu filme dificilmente vai existir sem esse expediente, mas o simples fato de tentar e, se der certo, realizar uma boa parte através deste método raçudo e guerreiro, mostra que é possível", disse Asbeg, formado em cinema na Westminster University e filho do cineasta José Carlos Asbeg, diretor do documentário "1958 - O ano em que o mundo descobriu o Brasil", que narra o primeiro título mundial da seleção.
Na segunda parte do documentário em fase de produção, estão planejadas entrevistas com artistas como Arnaldo Antunes, Branco Mello, Rita Lee, Edgar Scandurra, Lobão, Herbert Vianna, Dado Villa Lobos e Kid Vinil, além dos jornalistas Arthur Dapieve, Luis Nassif e Heródoto Barbeiro. Os produtores já têm uma data para conversar com Fernando Henrique Cardoso e estão perto de agendar um encontro com Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com Asbeg, a dificuldade maior é contatar o ex-goleiro Emerson Leão, abertamente contrário à Democracia Corintiana.
"O Leão está mais difícil que a Rainha da Inglaterra! É uma pena, porque não quero que o Leão fale necessariamente bem da Democracia Corintiana, quero apenas ouvir a opinião dele a respeito do movimento. A minha impressão é que ele tem uma implicância natural com o assunto. Isso dificulta muito", declarou Asbeg. O cineasta tentou contatar o treinador pela última vez através da assessoria de imprensa do Goiás, emprego mais recente do ex-goleiro, e ainda não conseguiu falar diretamente com ele.
Asbeg chegou a procurar o departamento de marketing do Corinthians para conversar sobre a possibilidade de contar com apoio do clube na divulgação do projeto de financiamento colaborativo, mas disse não ter recebido resposta. O diretor gostaria que a agremiação estivesse ciente sobre a produção do documentário e cogita uma eventual futura parceria, porém não está interessado em institucionalizar o filme neste momento para manter uma completa independência no processo de filmagem, escolha de personagens e entrevistas.
Caso os R$ 20 mil sejam captados dentro do prazo, a ideia é realizar a segunda rodada de entrevistas na metade de agosto. Em 2012, o filme começaria a ser editado. A possibilidade de exibir Democracia em Preto e Branco no cinema agrada, mas não é tratada como prioridade pelos produtores. "Atualmente, sinto que exibir um documentário no circuito comercial não deve ser uma obrigação no Brasil, porque a frustração pode ser muito grande. Quero que o filme exista e fique disponível para que as pessoas possam vê-lo, seja num Cineclub, em DVD, na TV e, se possível, nos cinemas", encerrou Asbeg.

Bruno Ceccon

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